domingo, abril 06, 2014

Take II

E voltou a acontecer. Tenho sempre a ingénua esperança de que as mesmas cenas não se repetem. Que se entalo um dedo numa porta de um carro e me magoo, não voltarei a deixar lá as mãos quando o resto do corpo já saiu. Que se perco alguma coisa e não encontro, não voltarei a abandoná-la. Não sei porquê, mas as minhas cenas repetem-se. Talvez por ser parte de mim, talvez por ser parte do meu filme. Eu sou assim. Não sou capaz de gostar à primeira, nem à segunda, nem à terceira vista. Não me apaixonei da primeira vez que vi o meu volkwagen preto que estranhamente desapareceu numa noite do clássico Benfica-Sporting. Não me apaixonei a primeira vez que vi a minha casa onde moro em Lisboa. Não me apaixonei por Madrid a primeira vez em que passei de carro por avenidas de casas cor de tijolo a caminho de Alicante. Não me apaixonei a primeira vez que conheci os meus amigos ou outras pessoas importantes da minha vida. Mas por todos eles eu me apaixonei um dia.

Relembro-me do dia em que escrevi o texto "Branco no Branco" e voltei a sentir o mesmo. O dia após aquele em que chorei à porta da discoteca agarrada a um amigo mentindo serem saudades de casa, em que me rebentou o lábio cuja ferida se prolongou por mais dois meses por furiosamente insistir em colocar álcool, em que o meu colega de casa se assustou pela primeira e última vez com a cor da minha cara e o vermelho dos meus olhos quando cheguei desnorteada às 8h da manhã. Esta semana voltei a sentir o mesmo. Aquela dor no coração, aquele soco no estômago, aquela sensação de traição não traída, aquele sentimento de impotência. Aquela vontade de mudar a vida, de fugir, de me isolar. Foi o dia em que vomitei após ter bebido um chá de camomila, em que vagueei por Lisboa sem sentido num dia de trovada, em que pedi a um táxi para me deixar a meio caminho por não ter dinheiro suficiente, em que tremi de frio durante toda a noite com o estômago vazio e os olhos inchados. Eu sou assim. Talvez por ser parte de mim, talvez por ser parte do meu filme. 

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Re-descoberta

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